07 março, 2006

O Preconceito e a Indústria

Um filme se destacou na produção industrial Hollywoodiana em 2005. Seu destaque não se deveu ao fato de ter atingindo valores vultosos nas bilheterias, antes pelo contrário. Sua arrecadação no seu país de origem foi modesta e pelo Brasil passou quase despercebido, ficou em Belo Horizonte pouquíssimo tempo em cartaz e nas salas ditas alternativas. Bem, isso não é tão improvável dado que é o primeiro filme do diretor Paul Haggis, embora também, ele tenha juntado um elenco de categoria com nomes como Don Cheadle, Matt Dillon, Sandra Bullock, Brendan Fraser, todos em ótimas performances. E um dos motivos do seu destaque é justamente este, um diretor iniciante logrou fazer um filme consistente, tanto na forma como no conteúdo e obteve de seus atores – vários aliás e com participação bem equilibrada – um resultado invejável.


O filme é Crash, que no Brasil ganhou o subtítulo (contestável como de costume) – No Limite. Ele segue a tradição de filmes como Short Cuts, Nashvile, ou os recentes, Magnolia e 21 Gramas, e mistura no ambiente urbano de Los Angeles, pelo menos, cinco histórias com seus personagens e subtramas. Tudo isso para mostrar a diversidade da formação do povo americano, com os negros, os orientais, os libaneses, os latinos, e como os diferentes núcleos não conseguem se comunicar e se entender barrados pelo preconceito, pela hostilidade, pela intolerância, pelo medo. O filme e seu diretor conseguem mostrar que este preconceito de fato existe, por mais mascarado que possa ser, e ele não é em si justificável, tampouco recriminável. Ele mostra seres humanos ambíguos, susceptíveis a atitudes diametralmente opostas de um momento para outro. Como o mais canalha e racista oficial de polícia que mostra seu lado humano ao cuidar do pai doente, ou ao salvar a mesma mulher que havia agredido. É mesmo neste ponto que está sua maior qualidade e seu maior defeito, quando chega a forçar o enredo para mostrar estes dois lados de todos os personagens. Num dado momento da projeção se tem a impressão de que tudo vai sempre acabar muito bem, no mais americano happy end, por sorte da fita um episódio desfaz essa sensação. Independente de aspectos isolados, Crash é um grande filme, o Brasil precisa de um Crash para desmascarar nossos diversos preconceitos tão velados em todos os níveis.

O segundo aspecto que chama a atenção em Crash – No Limite é sua relação com a indústria norte-americana de cinema e sua máquina de marketing. A Paul Haggis só foi possível ter seu debut num filme de tal envergadura por ter sido indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado por Menina de Ouro ano passado. Pode-se dizer que o prêmio não tem relevância artística, mas sua importância para indústria é patente. O Oscar dá visibilidade, e abre portas. Sendo – de certa forma até surpreendentemente – indicado a cinco estatuetas incluindo melhor filme, Crash teve o empurrão que precisava, que só esta forte indústria poderia dar. Crash volta às salas de cinema no Brasil em 17 de fevereiro, e com certeza alguns milhões mais de dólares entrarão na sua bilheteria doméstica. Uma indústria assim e todo seu aparato de marketing seriam bem vindos também no Brasil, trazendo mais auto-estima, mais incentivo à produção, e maior chamarisco para o público local. Aqui um filme ganha o nosso festival mais prestigiado – Gramado –  e demora mais de um ano para ser lançado comercialmente, e quando o é fica timidamente em algumas poucas salas e por curto tempo.

Leonardo OCunha

10 de fevereiro de 2006