10 novembro, 2010

Silêncio

Se olharmos as coisas de perto, na melhor das hipóteses chegaremos à conclusão de que as palavras tentam dizer o que pensámos ou sentimos, mas há motivos para suspeitar que, por muito que procurem, não chegarão nunca a enunciar essa coisa estranha, rara e misteriosa que é um sentimento.


“Las palabras ocultan la incapacidad de sentir”, ABC (Suplemento ABC Literario), Madrid, 9 de Agosto de 1996
In José Saramago nas Suas Palavras

01 novembro, 2010

O inimigo agora é outro

Assisti a Tropa de Elite 2 há alguns dias, não sem grande impressão. Fica claro de cara a competência do diretor José Padilha, que com seu terceiro longa consegue o mesmo resultado dos dois primeiros; mexer profundamente conosco.

Vale relembrar o que escrevi sobre o Tropa de Elite original no blog de Londres:
Primeiramente, deveria ser decretado que todo mundo que assistiu a Tropa de Elite deveria ver Ônibus 174, longa anterior do Padilha. Não por acaso, os dois personagens centrais tem o mesmo sobrenome. Cap. Nascimento foi batizado em cima de Sandro do Nascimento, o sequestrador do ônibus no Jardim Botânico, segundo afirmou o próprio diretor no Programa do Jô. Os dois Nascimentos são “monstros”, contudo, à exemplo da criatura de Frankstein, estes monstros tem um criador, a Sociedade.
Embora Nascimento seja o narrador do Tropa de Elite, e a figura forte e carismática de Wagner Moura nos leve a uma próximidade com o personagem, a grande história do longa é a de André Mathias. E a criação deste novo “monstro” que acompanhamos nas quase duas horas de projeção (ou no DVD ou no computador). E a cena final é fenomenal. O que esperamos do último ato de Mathias? O que devemos esperar? Que ele atire e tenha o “coração”(ou a falta dele) para substituir Nascimento? Ou que ele se recuse a cometer ato de tamanha arbitrariedade e brutalidade? Aposto que pouquíssimo torcemos pela segunda hipótese. E a tela branca deixa aberto a conclusão, não do tiro, que fatalmente foi dado no rosto do traficante, mas do personagem e a nossa mesma enquanto agentes dessa trama.

Tropa de Elite é um filme difícil, pode sim gerar “efeitos colaterais”, mas como disse Pablo Villaça; “É infinitamente mais recompensador assistir a um filme que estimula a discussão e a auto-análise do que um que, por covardia ou falta de ambição, limita-se a seguir a corrente do politicamente correto.”

Pois bem, na continuação Nascimento, agora Coronel, continua um monstro. e vemos o que ser um monstro ocasionou na vida dele, profissional e pessoal. Entretanto, ele agora está diante e em meio a monstros piores que ele. O sub-secretário de segurança do governo do Rio, Coronel Nascimento, torna-se vítima nesta nova trama. Mas, não se trata de uma história de bandidos e mocinhos, Nascimento não é um herói ilibado, nem o é o Deputado Fraga, contraponto dele no filme.


Tropa 2 deixa de apontar o dedo para o tráfico e para os usuário de classe média. A mira agora é nas milícias e nos políticos. E nisso o filme ganha força. Diversão é, sem dúvida, mas com crítica e reflexão. Ninguém sai incólume do cinema. O filme vai deixar o espectador revoltado, ou desanimado, ou assustado, ou vai despertar seus instintos humanistas, ou revelará sua face fascista; dentre outras possibilidades. Não resta dúvida de qual atitude Mathias tomou no fim do primeiro filme. E foi a mesma infelizmente escolhida por grande parte da população nacional.


A parte das inúmeras questões ideológicas levantadas, o novo filme tecnicamente se supera. A fotografia de Lula Carvalho é mais interessante. A montagem de Daniel Rezende é eficiente, como é o roteiro de Padilha e Mantovani. O destaque, mesmo, para mim fica com o elenco. Preparado por Fátima Toledo, não há uma má atuação sequer. Temos sim um punhado de atuações magistrais. A começar pelo epílogo com Seu Jorge arrasador. André Ramiro novamente muito bem, um ator que quero ver em mais trabalhos. André Mattos que sempre admirei, mostra também força dramática. Milhem Cortaz se reafirma e Sandro Rosa surge como grata novidade e uma pergunta: "como nunca vi este cara antes?". Irandhir Santos prova que é a melhor revelação do cinema brasileiro desde... Wagner Moura. O nome do filme é sim Wagner Moura, nas palavras de Domingos Oliveira; "insuportavelmente sincero". Wagner é o melhor ator brasileiro e ponto final. E olha que ele só tem 34 anos.


Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro se tornou fenômeno de público. Pela primeira vez na história o cinema nacional tem maioria nas salas exibição do Brasil. A distribuição inclusive foi independente. Wagner Moura como produtor do filme vai embolsar mais de milhão de reais e artista competente e responsável que é vai de certo reaplicar parte em outras boas obras de arte, no teatro, cinema etc.